Brasil Enfrenta Desafios no Combate aos Transtornos Alimentares, Aponta Debate no Senado
O Brasil ainda engatinha no enfrentamento dos transtornos alimentares, conforme destacado em audiência pública realizada na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado Federal.
A discussão trouxe à tona questões como a falta de informação sobre assistência disponível, o número reduzido de unidades públicas especializadas e leitos para tratamento, além da escassez de profissionais capacitados para lidar com essas condições.
O debate foi proposto pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF) , que alertou para o impacto desses problemas, especialmente entre crianças e adolescentes.
A Realidade Brasileira
Atualmente, o Brasil conta com apenas 15 centros públicos especializados no tratamento de transtornos alimentares. A única enfermaria dedicada exclusivamente a essas condições na América Latina está localizada no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) , onde há uma fila extensa para ocupar os dez leitos disponíveis , destinados tanto a brasileiros quanto a estrangeiros.
Segundo o psiquiatra Táki Athanássios Cordás , representante do Programa de Tratamento de Transtornos Alimentares do HCFMUSP, a situação é alarmante:
"Fico revoltado que não haja outros centros de excelência que possam receber essas pessoas."
Os transtornos alimentares — incluindo principalmente anorexia , bulimia e compulsão alimentar — afetam cerca de 5% da população brasileira , ou seja, aproximadamente 11 milhões de pessoas . No entanto, essa frequência é subestimada, devido à falta de diagnósticos adequados e à baixa conscientização sobre o tema.
Características e Impactos dos Transtornos Alimentares
Cordás explicou que os transtornos alimentares se manifestam quando as funções normais da alimentação são comprometidas:
"Quando meu corpo se torna algo estranho, hostil, e minha imagem é indesejada, eu provavelmente estarei diante de um transtorno alimentar."
Essas condições podem levar ao isolamento social, à deterioração física e mental, e, em casos graves, até ao óbito. Entre os transtornos mais comuns, a compulsão alimentar apresenta maior prevalência, atingindo mais de 6% da população , enquanto a anorexia e a bulimia flutuam em torno de 1% a 2% . Mulheres são desproporcionalmente afetadas, embora homens também estejam vulneráveis.
Desafios no Tratamento
O tratamento de transtornos alimentares é complexo, caro e exige uma abordagem multidisciplinar. Profissionais como psiquiatras , psicólogos , nutricionistas e clínicos gerais precisam trabalhar de forma integrada, muitas vezes por longos períodos, e em alguns casos durante toda a vida do paciente.
No entanto, a rede pública de saúde enfrenta dificuldades significativas:
Falta de Centros Especializados : Há poucas unidades públicas preparadas para oferecer atendimento adequado.
Escassez de Profissionais Capacitados : A formação específica para lidar com transtornos alimentares ainda é limitada.
Alta Demanda e Poucos Recursos : Mesmo nos centros existentes, há filas enormes e orçamentos insuficientes para ampliar os serviços.
Priscilla Gil, representante da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) , reforçou que as dificuldades encontradas na rede privada são multiplicadas no Sistema Único de Saúde (SUS) .
Ela enfatizou a necessidade de ampliar os centros de internação, aumentar os investimentos e contratar mais profissionais com planos de carreira específicos.
Obesidade e Compulsão Alimentar
Embora a obesidade não seja classificada como um transtorno alimentar, ela está intimamente ligada a condições como a compulsão alimentar , que afeta cerca de 20% das pessoas com obesidade . Maria Edna de Melo, representante da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) , destacou que a obesidade é uma das doenças com maior impacto na saúde pública:
"A obesidade é o terceiro maior fardo social no país, só perde para a violência armada e para o álcool."
Estima-se que, até 2035 , 51% da população mundial terá obesidade ou sobrepeso. No Brasil, 60% dos adultos têm excesso de peso, e 26% já são obesos . Entre crianças e adolescentes, um terço está acima do peso , e 15% são obesos . Além disso, o alto custo dos alimentos saudáveis agrava o problema, com preços de produtos nutritivos aumentando 60% nos últimos anos .
Redes Sociais: Um Fator de Risco
Os especialistas também chamaram atenção para o papel das redes sociais na promoção de comportamentos prejudiciais. Maria Edna criticou a "glamourização" de corpos extremamente magros ou musculosos, além do incentivo a dietas perigosas que colocam em risco a saúde de crianças e adolescentes.
"As redes sociais são um poço sem fundo para problemas relacionados aos transtornos alimentares."
Outro fenômeno preocupante é o surgimento de "desafios" online, como comer quantidades excessivas de alimentos ultraprocessados ("comida lixo"), que exacerbam hábitos prejudiciais.
Educação e Prevenção
Para Priscilla Gil, o tema dos transtornos alimentares deve ser abordado em todas as etapas da educação, desde o ensino médio até a pós-graduação. No entanto, é fundamental adotar uma abordagem cuidadosa, evitando induzir comportamentos prejudiciais. Em vez de focar em doenças, recomenda-se promover:
Aceitação de todos os tipos de corpos;
Desconstrução da ideia de "corpo perfeito";
Políticas anti-bullying;
Importância do comer em família;
Educação sobre desenvolvimento corporal saudável.
O professor Cordás reforçou a necessidade de cautela ao tratar do assunto em escolas:
"Se deve tomar muito cuidado com voluntarismo de quem quer abordar o assunto em escola. Não há ainda exatamente a definição de qual a melhor forma de prevenção."
Compromissos Futuros
Ao final da audiência, a senadora Damares Alves se comprometeu a manter o tema como prioridade no Senado. Entre as medidas anunciadas estão:
Proposta de criação de um grupo de trabalho para continuar discutindo o assunto;
Apresentação de um requerimento de informação ao Ministério da Saúde para obter dados sobre projetos desenvolvidos na área.
Os participantes enfatizaram a necessidade de uma força-tarefa para implementar leis e políticas públicas que melhorem a assistência a pessoas com transtornos alimentares no Brasil.
Conclusão
Os transtornos alimentares representam um desafio crescente no Brasil, com impactos significativos na saúde física e mental, especialmente entre jovens. Para enfrentar essa crise, é urgente ampliar os recursos disponíveis no SUS, capacitar profissionais e promover campanhas de conscientização. Além disso, é fundamental combater influências nocivas das redes sociais e adotar estratégias educacionais que promovam uma relação saudável com o corpo e a alimentação.
"Que essa audiência possibilite que tenhamos uma força-tarefa para oferecer projetos para a implementação de leis e medidas que possam valer para esse país."
— Táki Athanássios Cordás, psiquiatra.
Fonte: Agência Senado
Referências bibliográficas:
SENADO, Agência. País engatinha no tratamento do transtorno alimentar, mostra debate Fonte: Agência Senado. 2024. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/09/05/pais-engatinha-no-tratamento-do-transtorno-alimentar-mostra-debate. Acesso em: 17 fev. 2025.